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A aposta perdida do Unibanco.

19/04/2004

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O chope estava meio quente, mas não comprometeu a festa. Regado por uma centena de garçons, acabou deixando o público-alvo eufórico. Também havia vinho chileno, uísque escocês – pouco consumido – e 12 mil empadinhas de palmito, risoles de camarão e canapés de azeitona. Mais de mil convidados, donos de lojas lotéricas, compareceram à Ribalta, uma casa de espetáculos do Rio de Janeiro. A fatura saiu por R$ 180 mil, quitados pelo Unibanco. O momento mais esperado seria o final, uma roda de samba com Martinho da Vila. O ápice, contudo, foi quando um senhor subiu ao palco para oficializar uma proposta. Apresentou-se como Romildo Valente, diretor do Unibanco. Sua idéia era assinar um contrato entre as casas lotéricas do Rio de Janeiro, o Unibanco e um consórcio que administra máquinas de loterias, a Combralog, a fim de quebrar o monopólio da Caixa Econômica Federal no setor. Para começar, Valente propôs instalar as máquinas da Combralog nas 743 lotéricas cariocas. Fabricadas por coreanos, foram testadas com sucesso durante a última Copa do Mundo. Funcionariam de forma paralela às da Caixa, fabricadas pela americana GTech. A oferta foi tentadora. Para o pagamento de contas de serviços públicos, como água e luz, o Unibanco oferecia R$ 0,33 por operação, contra R$ 0,28 pagos pela Caixa. Para o pagamento de boletos bancários nas máquinas da Combralog, a oferta do Unibanco era de R$ 0,61 por operação, contra R$ 0,30 da Caixa. “Daremos todo o suporte necessário”, prometeu Valente. “Essa parceria é o marco da independência da classe lotérica nacional”, instigou Marcelo Furtado, o presidente do sindicato da categoria no Rio. Imediatamente, os donos das lotéricas correram para assinar o contrato de adesão. Para não incomodá-los com filas, 50 recepcionistas foram convocadas para colher assinaturas. Em 20 minutos, havia 400 adesões. Discreto, um outro personagem assistia a tudo em silêncio. Não subiu ao palco e poucos o viram. Carlos Augusto Pereira Ramos é seu nome, mas só o chamam de Carlinhos Cachoeira. Sócio majoritário da Combralog, Cachoeira foi o principal mentor do negócio com o Unibanco. O plano do Unibanco e de Cachoeira era abrir uma primeira cunha nos negócios da Caixa no Rio e já estava engatilhada a associação com lotéricas de cinco outros Estados – São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia – numa rede com potencial de somar 5.128 pontos de arrecadação para o Unibanco. O faturamento bruto do banco nesses pontos foi calculado em R$ 1,2 bilhão anuais. O negócio, divulgado no jantar com Martinho da Vila no dia 7 de novembro, não teve tempo de se concretizar, porque, ao saber da iniciativa do Unibanco, a Caixa abriu o processo judicial 2003.61.00.033518-8 contra o banco da família Moreira Salles, ao qual DINHEIRO teve acesso com exclusividade. Além disso, o escândalo envolvendo Carlinhos Cachoeira e Waldomiro Diniz contribuiu para azedar o negócio. A direção do Unibanco foi informada da reportagem, mas preferiu não se pronunciar. Carlinhos Cachoeira também não retornou as ligações. Hoje soa estranho a sociedade entre o terceiro maior banco privado do País – que abriga em sua diretoria o ex-ministro Pedro Malan e o ex-presidente da Caixa Valdery Albuquerque – e um bicheiro protagonista de escândalos de corrupção. Mas até pouco tempo atrás, na diretoria do Unibanco, Cachoeira era tratado como o doutor Carlos Ramos, um parceiro de negócios. As conversas começaram há um ano. Cachoeira arquitetou o negócio e procurou o Unibanco. Mas foi o diretor do Unibanco, Romildo Valente, quem tomou a iniciativa de convidar o presidente do sindicato das lotéricas do Rio, Marcelo Furtado. “Entramos de cabeça porque a Caixa está nos estrangulando com contratos leoninos”, explica João José Leal, que há uma década é o principal líder dos lotéricos cariocas. A diretoria da Caixa, que arrecada R$ 3,5 bilhões por ano com sua rede de 9 mil lotéricas, soube do negócio às vésperas da festa com Martinho da Vila. Em reunião de emergência, decidiram agir rápido. Primeiro convocaram para uma reunião em Brasília todos os presidentes dos sindicatos das lotéricas nos Estados. O superintendente de Loterias, Paulo Campos, segurou-os até de noite, para que perdessem a reunião no Rio. No
dia 19 de novembro, a Caixa entrou com uma interpelação judicial contra o Unibanco, contestando o negócio com a Combralog, já
que as lotéricas são suas franqueadas exclusivas. “A Caixa não
pode ser constrangida a aceitar a utilização de sua marca para a venda de produtos concorrentes”, diz a interpelação. Em paralelo,
no fim de novembro, o vice-presidente da Caixa, Fernando Nogueira, denunciou o Unibanco ao Conselho de Ética da Federação Brasileira dos Bancos, Febraban. Por fim, Jorge Mattoso, presidente da Caixa, procurou a diretoria do Unibanco em São Paulo para explicar o que estaria sendo engatilhado. “Vocês estão se associando com mafiosos do crime organizado”, acusou. A diretoria do Unibanco decidiu recuar – mas até o momento não comunicou a nenhuma das partes a desistência do negócio. Tudo depois que veio a público quem é o doutor Pereira Ramos, dono da Combralog.Istoé Dinheiro – Hugo Studart