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A explosão dos caça-níqueis em Goiás

28/05/2002

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Goiás já tem 11 mil máquinas de caça-níqueis espalhadas por suas cidades, 4 mil delas clandestinas, segundo a Gerenciamento e Planejamento Ltda (Gerplan), empresa autorizada a explorar jogos e loterias no Estado. O número é 42.86% superior ao existente há um ano. A proliferação surpreendente dos caça-níqueis em Goiás pode ser percebida com mais clareza, entretanto, comparando-se os números atuais com os de 1999, quando começaram as apreensões das máquinas no Estado, por serem consideradas instrumentos de jogos de azar (leia histórico ao lado). Naquele ano, existiam apenas 600 equipamentos na capital e algumas dezenas de pontos no interior, não calculados com precisão pelos órgãos responsáveis.
Dos 7 mil caça-níqueis que têm autorização para funcionar – graças a liminar concedida pelo Tribunal de Justiça à Gerplan, em dezembro de 1999 – pelo menos cem estão instalados em locais vizinhos a escolas, embora o jogo seja proibido para menores de 18 anos. A equipe do POPULAR comprovou a existência das máquinas a menos de 50 metros de escolas de Campinas e do Setor Bueno, apesar da Delegacia Estadual de Investigações sobre Infrações contra o Meio Ambiente e Costumes (Dema) ter sugerido a obediência de uma distância mínima de 200 metros dos estabelecimentos de ensino. Em uma das escolas visitadas pela reportagem, a coordenadora foi obrigada a convocar as famílias de alunos e ameaçou chamar a polícia para evitar que os estudantes continuassem matando aulas para jogar.
A situação já preocupa a Secretaria de Segurança Pública, que propôs ontem ao prefeito Pedro Wilson a alteração do Código de Posturas para tirar bares e similares da vizinhança de colégios. O prefeito manifestou-se simpático à idéia, mas alertou que a medida demanda muitos entendimentos, envolvendo inclusive a comunidade escolar. Segundo pesquisa sobre violência na escola, divulgada recentemente pelo Fundo das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), 16% dos bares do País estão próximos de estabelecimentos escolares. O gerente-geral da Gerplan, José Antônio de Barros Filho, garantiu que a empresa está aberta ao diálogo e disposta a recomendar o recuo entre 100 e 150 metros dos colégios.
Barros Filho admite que, mesmo não sendo o público alvo das máquinas, os jovens são estimulados a jogar quando elas estão instaladas perto de escolas. Além disso, acredita, o estabelecimento de uma distância mínima desincentivaria os clandestinos. “A maioria dos equipamentos vizinhos de escolas é de origem clandestina. Então, também estaremos levando vantagem com a criação de tal exigência, pois eles seriam identificados”. Segundo o gerente-geral da Gerplan, os equipamentos sem autorização de funcionamento estão distribuídos em várias partes do Estado, mas a maior incidência é no Entorno do Distrito Federal. A empresa, afirma, é proprietária de apenas 3 mil máquinas e as demais são alugadas de terceiros. “Temos concessão para explorar um bem que pertence ao Estado, por isso estamos dispostos a acatar o que for determinado”, disse.
O chefe do Departamento de Fiscalização da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), Fábio Bezerra, afirma que a Legislação Tributária Estadual “determina expressamente” o distanciamento de escolas para a instalação dos caça-níqueis, mas não soube precisar se a distância está definida.
MP articula operação contra as máquinas
Uma operação nacional está sendo preparada pelas Procuradorias Gerais de Justiça envolvendo o Ministério Público (MP) de todos os Estados, com o objetivo de estabelecer o controle sobre os caça-níqueis. O promotor que coordena o Centro de Apoio Operacional Criminal, Alexandre Foureax, disse que a ação conjunta começou a ser combinada na primeira de uma série de três reuniões coordenadas pela procuradoria de Minas Gerais, e terá abrangência nacional. Não estão descartadas medidas radicais, como a apreensão de equipamentos, especialmente no caso de Goiás, onde o MP está questionando a liminar que garante o funcionamento dos caça-níqueis, concedida em 2001. “Não houve uma decisão de mérito, é preciso levar em conta a Lei de Contravenções Penais, então a promotoria está em condições legais de agir”, afirmou Alexandre.
Existe um agravo de instrumento do MP contra a liminar que barrou as apreensões feitas à época pela Delegacia Estadual do Meio Ambiente. Além disso, tramitam duas ações civis questionando a atividade e a prorrogação do contrato feito entre a Loterias do Estado de Goiás e a Gerplan até 2010. “Vamos retomar a atuação do ponto onde paramos no ano passado”, garante José Fabiano Ito, que também atua na área criminal do MP. Ele disse que novas ações civis podem ser protocoladas pelos promotores da área. Os dois promotores afirmam que o envolvimento de menores de 18 anos com o jogo é o fator de maior preocupação.
Atração perigosa perto de escolas
Em frente ao Terminal Rodoviário de Campinas, a menos de 50 metros do Colégio Estadual Olavo Bilac, Escola de 1º Grau Engenheiro Flávio Cascão e Escola Estadual Duca Viggiano, que são vizinhos, oito máquinas caça-níqueis funcionam há cerca de um ano em uma lanchonete. O equipamento, com seus painéis coloridos, atrai o olhar dos que passam diante do estabelecimento.
Apesar da proximidade das escolas, o proprietário Amadeu César Filho garante que os alunos nem se aproximam dos caça-níqueis. Mas há poucos meses a história era outra. A coordenadora-geral da Escola Estadual Duca Viggiano, Maria Gomes, conta que alguns estudantes chegavam a ficar até três dias longe das salas de aula por causa dos jogos eletrônicos. O problema era mais comum entre alunos de 9 a 14 anos, matriculados no período vespertino. “Eles saíam de casa para vir para a escola, mas acabavam passando a tarde jogando”, recorda Maria Gomes, acrescentando que, em março, o colégio tomou uma atitude drástica. “Entramos em contato com as famílias desses estudantes e ameaçamos chamar a polícia, caso o dono do bar permitisse que as crianças jogassem”, diz.
Dono de uma lanchonete na Avenida T-2, no Setor Bueno, a pouco mais de 30 metros do Colégio Objetivo, Clever Parreira garante que o dinheiro dos alunos da escola vizinha não entra nas duas caça-níqueis instaladas na porta de seu estabeleciment. Na lanchonete ao lado da de Parreira funcionam outras duas máquinas. A presença desses equipamentos em imediações de escolas preocupa o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino de Goiás, Agenor Cançado. “Os jogos atraem os alunos”, acredita Cançado.
Caminho da compulsão
Os caça-níqueis estão entre os jogos que mais favorecem a compulsão. Sua dinâmica aliada à facilidade com que é encontrado facilita o processo. A observação é feita por Marcos, pseudônimo do arquiteto de 53 anos, freqüentador de um dos grupos de Jogadores Compulsivos Anônimos existentes no País. “As pessoas desenvolvem a compulsão quando chegam nessas máquinas”, observa Marcos, referindo-se à experiência observada no grupo de jogadores anônimos que freqüenta.
Marcos diz que o jogo no caça-níquel é favorecido pela sua característica fugaz e veloz, ao contrário de uma cartela de bingo, por exemplo, onde a pessoa demora algum tempo para obter o resultado. E a busca pela sensação de prazer faz com que a pessoa repita a ação, continuamente. Segundo o arquiteto, o grupo de jogadores já recebeu para tratamento um garoto de 16 anos que havia se viciado em jogos de caça-níqueis. Marcos afirma que apesar da fiscalização, a presença dos equipamentos em locais como shoppings e padarias, facilita o acesso. “Embora a lei proíba, a gente tem certeza de que a fiscalização é insuficiente. Por tudo isso vemos com preocupação esse tipo de jogo”, assinala.
Entenda o caso
Conheça o vai e vem de medidas judiciais, que acabou autorizando funcionamento dos caça-níqueis:

22/10/1999 – Atendendo a decreto do presidente Fernando Henrique Cardoso, que proibia as Máquinas Eletrônicas Programadas (MEPs) em todo o País, o MP determina a apreensão dos equipamentos, entendendo que constituíam jogos de azar.
25/10/1999 – O MP anuncia que vai entrar na Justiça para obrigar a LEG a recolher as máquinas de jogos26/10/1999 – Secretaria de Segurança Pública pede estudo jurídico para saber se decreto presidencial abrange, além dos bingos, as máquinas autorizadas pela LEG
28/10/1999 – A juíza Rozana Fernandes Camapum, do 1º Juizado Especial Criminal, determina expedição de mandado de busca e apreensão de todas as máquinas eletrônicas de caça-níqueis instaladas em Goiânia
9/11/1999 – O juiz Carlos Hipólito Escher, do TJ, nega liminar requerida pela empresa Gerplan e mantém a apreensão dos caça-níqueis da empresa
1º/12/1999 – O mesmo Carlos Hipólito Escher volta atrás e defere liminar em mandado de segurança impetrado pela Gerplan, que consegue a liberação do seu maquinário
3/12/1999 – MP impetra mandado de segurança no TJ para tentar reverter situação e manter as apreensões
7/6/2000 – TJ nega mandado de segurança impetrado pela Gerplan
4/10/2000 – As apreensões de caça-níqueis são intensificadas na capital em cumprimento à decisão do TJ, que havia revigorado, em junho, ordem da juíza Rozana Camapum de recolhimento dos caça-níqueis em Goiânia
15/12/2000 – Desembargador Jamil Pereira de Macedo nega liminar requerida em habeas-corpus pela empresa Gerplan, que requeria o arquivamento da ação que tramitava no 1º Juizado Especial Criminal
2/1/2001 – MP entra com pedido de liminar para que o Estado de Goiás e a Gerplan sejam obrigados a pôr fim em todo o Estado aos jogos de videoloteria, realizados por meio dos caça-níqueis.
30/1/2001 – O juiz Luiz Antônio Alves Bezerra, da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, proíbe a exploração das máquinas caça-níqueis em todo o Estado, entendendo que tais jogos são de azar.
12/2/2001 – TJ volta a autorizar as máquinas caça-níqueis em todo o Estado, suspendendo liminar que proibia exploração dos equipamentos
4/4/2001 – É determinado o recolhimento do mandado de busca e apreensão das máquinas caça-níqueis de Goiânia pelo juiz Leonardo Fleury Curado
16/6/2001 – São apreendidas cerca de 500 caça-níqueis sem autorização da LEG que funcionavam irregularmente na capital e interior em blitz da Secretaria da Fazenda e Polícias Militar e Federal.
30/8/2001 – São apreendidas 113 máquinas caça-níqueis pela PM em Goiânia em situação irregular.
O Popular – GO/Marília Assunção