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Bingo não é ”coisa do capeta”.

29/04/2003

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Folha de Londrina – Moisés de Godoy
Moisés de Godoy é advogado e professor de Direito em Londrina
Por lei ordinária Lei Zico foi retirada do artigo 50 da Lei das Contravenções Penais a figura da proibição de jogos de azar, disciplinando de modo novo a atividade e, posteriormente, a Lei Manguito a revogou, sendo silente quanto à incriminação originária. A lei revogada, no sistema que inadmite a repristinação, não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência e quer dizer que a atividade do bingo deixou de ser considerada ilícita.
Não há atualmente previsão legal para vedação, que, se fosse o caso, só poderia decorrer de lei da competência da União, segundo dispõe o artigo 22, inciso I, da C. Federal.
Dentro dessa tese e apreciando sistematicamente a evolução de todo o quadro legal, existem liminares a favor das Casas de Bingo, sendo uma do Juiz Federal de Fortaleza, protegendo a Associação Nacional dessas empresas e outra do Juízo local da 7 Vara Cível, que concedeu à Golden Place, o direito de explorar a atividade, que não é mais considerada penalmente como ”jogo de azar”.
Ao Estado não compete legislar sobre a matéria, o que, na pior das hipóteses, poderia ser objeto de Lei Municipal para, dentro do chamado Poder de Polícia, estabelecerem-se limites e critérios para a atuação simplesmente comercial; proibição só por lei federal válida e ”ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa, se não em virtude de lei”.
O decreto do Governador, de 9 de abril corrente, dentro do contexto exposto, é ilegal, inconstitucional e arbitrário, não encontra qualquer razão que o justifique, e a tese de que o ”metier” favorece a incrementação de ilícitos paralelos peca por falta de amparo, sendo certo que cabe justamente ao Poder Público fiscalizar os eventuais excessos e desvios, nos pontos onde as atividades se desenvolvem.
As Casas de Bingo têm alvarás regulares, laudo de vistoria do Corpo de Bombeiros, autorização policial, inclusive do Serlopar, entidade estatal que ficou encarregada da liberação das autorizações respectivas e da mera fiscalização do setor.
O sorteio nos jogos de bingo a atividade ”em si” se acha amparado por legislação federal e a Medida Provisória 2.216/37, de 1º de dezembro de 2001, transformou a exploração do ”jogo de bingo” em serviço público de competência da União e a providência foi recepcionada na Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.
O que existe é um vácuo legislativo, que vem desde a edição da Lei Zico, que revogou parte da Lei das Contravenções Penais e esse vácuo, inclusive, não pode ser preenchido por regras legais oriundas de poder incompetente. O vazio legal persiste.
Se não há previsão legal à proibição do bingo, o recente ato do governo, que revogou a Lei 11.035/95, regulamentadora do jogo, afronta até princípios constitucionais e, ao cumprirem as ordens de interdição dos estabelecimentos, as autoridades estarão cometendo ilegalidade e abuso de poder, passíveis de ataque por Mandado de Segurança ou outro corretivo legal. Ao ato governamental recente, além de tudo, faltam critérios de razoabilidade e de proporcionalidade.
Qualquer restrição, obstrução ou interdição do estabelecimento será considerada como verdadeira afronta ao que se deve entender por ”estado democrático de direito”, e o recomendável é que cada Casa, no local de sua atividade, busque proteção judicial, nada obstante a de que o Sindibingos se utilizou há uma semana no Tribunal de Justiça e em que foi inesperadamente negada liminar.
Fechar Casas de Bingo porque ”em torno delas se incrementam atividades espúrias outras” é um contra-senso e ridículo acaciano, equiparável à providência que determinado pai tomou mandando vender o sofá da sala de estar, na justificativa de que o mesmo estava sendo usado para colóquios íntimos entre a filha e seu namorado…