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Casa de jogos de azar em Porto Alegre aposta alto na legalização

05/11/2017

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O alvará de funcionamento da Winfil prevê somente a realização de “eventos, festas e similares”

PORTO ALEGRE — Aberta no dia 19 do mês passado em Porto Alegre, no início apenas como uma “degustação” para os aficionados por jogos de azar e depois com o recebimento de apostas em dinheiro em 400 máquinas caça-níqueis, a Winfil deflagrou uma guerra jurídica contra a proibição da atividade no país, enquadrada como infração penal na Lei das Contravenções Penais, de 1941. Na segunda-feira passada, a casa fechou após uma operação de busca e apreensão realizada pelo Ministério Público do estado e pela Polícia Civil, mas recorreu à Justiça, e a disputa parece estar longe do fim.

O empreendimento do grupo espanhol Pefaco representa uma cartada milionária no lobby pela legalização dos jogos de azar no Brasil, no momento em que o debate sobre o tema avança no Congresso. No mês passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu julgar, no âmbito de um recurso do MP gaúcho em outro processo, se permanece válido o artigo da Lei das Contravenções Penais que enquadra a exploração da atividade como infração penal. O julgamento não tem data definida.

A FNR — Entretenimento e Casa de Eventos, razão social da Winfil no CNPJ da Receita Federal, começou a receber apostas em dinheiro depois que a 3ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre concedeu liminar que proibia a Polícia Civil, a Brigada Militar e a prefeitura de apreenderem caça-níqueis em eventual operação de fiscalização. A decisão, tomada no dia 27 de outubro, atendeu a pedido de mandado de segurança preventivo apresentado pela empresa.

Para a Winfil, a liminar encerrava a polêmica. “Tivemos paciência para esperar até este momento para abrir a casa com a plenitude da legalidade. Sempre batemos na mesma tecla, afirmamos que só abriríamos se estivéssemos 100% legais, e este momento chegou”, afirmou, na ocasião, o sócio-administrador da FNR e representante da Pefaco no Brasil, Rogério Dell’Erba Guarnieri em nota distribuída pela assessoria da empresa.

Três dias depois, no entanto, o MP e a Polícia Civil cumpriram mandado emitido pelo Juizado Especial Criminal e apreenderam as “ceduleiras” (dispositivos onde é inserido o pagamento das apostas) de 400 caça-níqueis e o dinheiro que estava dentro das máquinas, além de uma arma com numeração raspada. O valor recolhido não foi divulgado oficialmente, mas o jornal “Zero Hora” informou que teria sido R$ 76 mil.

A empresa recorreu à própria 3ª Vara da Fazenda Pública, mas, na sexta-feira, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do estado (TJRS) anulou a liminar que impedia a apreensão dos equipamentos e remeteu o caso para o Juizado Especial Criminal. O TJRS acatou um agravo de instrumento do MP, que sustentou o entendimento de que a exploração de jogos de azar constitui contravenção penal e, por isso, não pode ser julgada em juizados cíveis.

O recebimento de apostas também viola o alvará de funcionamento da casa emitido pela Secretaria do Desenvolvimento Econômico de Porto Alegre, que prevê apenas a realização de “eventos, festas e similares” no local até a meia-noite, no máximo. A secretaria informou, por meio de sua assessoria, que Guarnieri se comprometeu, por escrito, a não explorar jogos de azar no empreendimento. Disse ainda que, se a prática fosse constatada, poderia cassar o alvará, mas ressalvou possuir uma equipe reduzida de agentes para fiscalização.

Segundo o advogado da Winfil, Laerte Gschwenter, a casa recebeu investimentos de mais de R$ 4 milhões e gerou 319 empregos diretos, além de 1,2 mil indiretos. De acordo com ele, trata-se de um empreendimento no qual o “lucro não é prioridade; a prioridade é a legalidade”. A assessora de marketing, Luciana Warken, acrescentou que o local funciona a partir das 15 horas e que só nos três primeiros dias de “degustação” — apenas com serviço de bar e restaurante — recebeu 4,6 mil visitantes. A empresa ocupa um imóvel de dois andares, alugado do empresário Assis Moreira, irmão do ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho.

Instituto Jogo Legal

A geração de empregos, os investimentos e o potencial de arrecadação de impostos são os principais argumentos do lobby em defesa da legalização de cassinos, bingos e outros jogos de azar no Brasil. O Instituto Jogo Legal estima que a regularização pode gerar R$ 20 bilhões por ano em tributos e afirma que a proibição não impede a atividade clandestina no país, pois ela arrecadaria quase R$ 19 bilhões anuais, a maior parte no jogo do bicho, quase o dobro dos R$ 12 bilhões anuais gastos em apostas oficiais, a maioria operada pela Caixa Econômica Federal.

Os contrários à legalização alegam que o jogo facilita a prática de crimes associados como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e organização criminosa. Também entendem que é um risco aos consumidores, à economia popular e à saúde pública, pois a própria arquitetura das casas especializadas estimularia a dependência de jogadores, cercados de equipamentos eletrônicos e encerrados em ambientes fechados, onde facilmente perdem a noção do tempo. “A ludomania é uma patologia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde”, diz o promotor João Pedro de Freitas Xavier, do MP gaúcho.

Os dois lados se enfrentam no Congresso, onde há comissões parlamentares contra e a favor da legalização. No Senado, a Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional aprovou no fim do ano passado um projeto do senador Ciro Nogueira (PP-PI) que regulariza os bingos, os cassinos, o jogo do bicho e as apostas eletrônicas. A matéria está com o relator Benedito de Lira (PP-AL). Na Câmara, o marco regulatório dos jogos, elaborado a partir de um substitutivo do deputado Guilherme Mussi (PP-SP), pode ir à votação em plenário a qualquer momento. (O Globo – Sérgio Ruck Bueno – Foto: Carlos Rollsing / RBS)