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Decisão do Juiz de Mogi das Cruzes que negou ao Ministério Público mandato de Busca e Apreensão nos bingos daquela cidade

28/10/2002

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1a. VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES – SP PROCESSO no 708/FD Fez acompanhar a peça de representação, de noticiários sugestivos de atividades ilícitas perpetradas, em tese, por pessoas físicas ou jurídicas que não guardam qualquer correlação com os estabelecimentos que pretende sejam submetidos à busca e apreensão, elencados em seu petitório (fls. 07/11). EIS EM SÍNTESE, O NECESSÁRIO PASSO A FUNDAMENTAR Nada obstante o ofício de fls 6 tenha indicado o atendimento do elemento normativo (sem autorização), a respeitável representação do Ministério Público não veio acompanhada de elementos de informação – que poderiam ter sido colhidos em procedimento investigatório preparatório – de que qualquer dos núcleos do tipo do expressamente referido art 75, da lei 9.615/98 estivessem sendo praticados, uma vez que desacompanhada, a postulação do Ministério Público de indicativo do exercício da atividade, que se rotulou de “jogatina ilegal”. Daí já se extrai que em termos processuais – que servem à reafirmação das garantias constitucionais – não poderia ser a medida deferida porquanto faltante as fundadas razões do art. 240, “caput”, do Código de Processo Penal. Ausente, assim, o fumus boni iuris. Ademais, o fundamento legal apontado pelo Ministério Público para sustentar a legitimidade da diligência, em termos processuais, foi o art 240, § 1o, “d”, do Código de Processo Penal, que, por si, não autoriza a medida externada, pois, mesmo em tese, de crime não se cuidaria. A busca seria autorizada na forma do dispositivo legal processual destacado para apreender armas e munições (do que, à evidência, não se trata), instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso. Como é sabido, adota a nossa legislação o sistema de divisão bipartida ou dicotômico, trazendo a classificação de crime ou delito como expressões sinônimas, o que afasta como conseqüência a figura contravencional. É de se remarcar que de crime não cuidava o art. 75, da Lei no. 9.615, de 24.03.98, uma vez que trazia no preceito secundário a previsão de pena de prisão simples de seis meses a dois anos, e multa, conforme art. 1o, segunda parte, da Lei de Introdução ao Código Penal, Decreto-Lei 3.914/41. De qualquer forma, de extremada relevância é que, consoante o art. 2o. “caput”, da Lei 9.981/00, o art.75 da Lei anterior foi revogado e estampava a seguinte redação: “Art. 75. Manter, facilitar ou realizar jogo de bingo sem autorização prevista nesta Lei: Pena – prisão simples de seis meses a dois anos e multa”. Despiciendo reforçar que mesmo desotendido o elemento normativo (sem autorização) não se demonstra se esteja perpetrando qualquer dos núcleos do tipo, por falta de elementos de convicção. Sublinhe-se que o dispositivo incriminador no mencionado art. 75 foi revogado. Nada além do sugestivo noticiário permitiria concluir houvesse “sonegação fiscal” ou “lavagem de dinheiro” nos estabelecimentos constantes do rol da petição do Ministério Público e, deste modo, mais uma vez carente de justa causa e providência pretendida. Indo mais longe, não se pode deixar de notar que também para as medidas processuais, especialmente as de incidência excepcional, e indeclinável a obediência aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Não se mostra a diligência requerida de busca e apreensão que excepciona direitos constitucionalmente assegurados – com a amplitude e rigor que se pretendeu na respeitável representação, proporcional ou razoável para reprimir eventual contravenção penal mesmo porque o pequeno potencial ofensivo – se contravenção houvesse – impede prisão em flagrante, apuração por inquérito policial e, até mesmo, a persecução penal, tendo em vista as benesses da Lei 9.099/95. Desproporcional e sem razoabilidade, data venia, o acolhimento do pretendido pelo Ministério Público. Sem luxo de pormenor, a atividade do bingo não é, nada obstante o sustentado pelo Nobre Promotor de Justiça, vedada com a edição da Lei9.981/00, uma vez que a expressa revogação do art.59 da Lei 9.615/98, que rezava: “Art. 59. Os jogos de bingo são permitidos em todo território nacional, nos termos desta Lei”, não implica no entendimento legítimo de que passaram a ser, os jogos de bingo, proibidos em todo território nacional. Isso porque o próprio parágrafo único, do art. 2o, da Lei 9.981/00, realça que: “Caberá ao INDESP o credenciamento das entidades e à Caixa Econômica Federal a autorização e a fiscalização da realização dos jogos de bingo, bem como a decisão sobre a regularidade das prestações de conta.” A colocação do verbo no futuro: “Caberá”, bem indica o reconhecimento da atividade como permitida, conferindo atribuições de credenciamento, autorização e fiscalização da realização de jogos de bingo, além de decisão sobre regularidade de prestação de contas, nada obstante a extinção do Instituto Nacional do Desenvolvimento do Desporto pela Medida Provisória no.2143-36, de 24.08.2001. O art. 60 e seus parágrafos, 61 e 63, da Lei 9.615/98, apesar de expressamente revogados pela Lei 9.981/00, foram revitalizados no parágrafo único do art. 2o. e no art. 4o. da lei revogadora. Destarte, os critérios para o credenciamento e a autorização para realização do jogo de bingo, de cunho administrativo, não se discutem nesta sede. Mas, daí a adjetivar de criminosa ou contravencional a prática do jogo de bingo sem a falada autorização é excesso que afronta o que se denomina chamar de sistema constitucional do delito – do injusto penal. É pretender punir pelo mero desvalor da ação em fato de “simples atividade”ou de “mera desobediência”. Hoje, com a revogação do art. 75, da Lei no. 9.615/98, já se não fala – à evidência – no elemento normativo, sem autorização – que já se adianta não consta do art. 50, da Lei de Contravenções Penais. Desta forma, a atividade do jogo de bingo, com ou sem autorização, é fato atípico, indiferente penal, interessado somente para a fiscalização administrativa. Sem apreciação não pode passar o fato de que a Medida Provisória no. 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, preceituou que: “Art. 17. O art. 59 da Lei no. 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar co a seguinte redação: Art. 59. A exploração de jogo de bingo, serviço público de competência da União, será executado direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e o respectivo regulamento” (grifei). Sem discutir a aptidão de MP, editada em 31 de agosto de 2001, para revogar o disposto na Lei no. 9.981, de 14 de julho de 2000, que entrou em vigor na data de sua publicação, ou sua incompatibilidade vertical especialmente com o art. 21 da Constituição Federal, o fato é que reconhecendo o Estado que a exploração do jogo de bingo é serviço público, conferido à Caixa Econômica Federal a direta ou indireta possibilidade de ganhar ou perder, se “não há risco” de ambos, “não há jogo de azar”. O art. 59 da Lei 9.615/98 disciplinando ser proibida a instalação de qualquer tipo de máquina de jogo de azar ou de diversão eletrônica na sala de bingo, faz clara a conclusão de que o jogo de bingo não se pode confundir com jogo de azar, nem com a outra forma de atividade de exploração de diversão eletrônica. O art. 60, § 1o, da mesma Lei esclarecia o que se considera bingo permanente: § 1o. Considera-se bingo permanente aquele realizado em salas próprias com utilização do processo de extração isento de contato humano, que assegura integral lisura dos resultados, inclusive com apoio de sistema de circuito fechado de televisão e difusão de som, oferecendo prêmios exclusivamente em dinheiro. Sem adequação, dessa forma, a atividade de exploração do jogo do bingo, à contravenção do art. 50, da Lei das Contravenções Penais, nada obstante a revogação dos artigos remarcados, pois, quando menos, têm função auxiliadora interpretativa. Lembrando, novamente, os ensinamentos de Damásio E. De Jesus, com perfeita aplicação ao caso sob comento, o fato é atípico também em razão da falta de imputação objetiva de lesão a bem juridicamente tutelado em razão da teoria do risco permitido. “De acordo com a teoria da imputação objetiva, o fato só pode ser atribuído ao sujeito quando sua conduta criou ao bem jurídico um risco juridicamente não permitido, materializando-se o perigo no evento típico (Jescheck, Tratado de desfecho penal – Porte general. Trad. De José Luiz Manzanares Samariego, Granada ed. Comares, 1993, p. 258)”. Fica anotado, também, do parecer do digno penalista, Dr.Damásio, que a Constituição Federal em seu art. 195, III, disciplina que a Seguridade Social tem por suporte material a “receita de concursos e prognósticos” e “Como é cediço, a mesma ordinária está proibida de considerar crime ou contravenção fato caracterizado pela Lei maior. Importante, como fez constar, o ilustre doutrinador, que “Na verdade, a objetividade jurídica do art. 50, da LCP, projeta-se no “monopólio estatal da exploração dos jogos” e não nos “bons costumes” e nesse sentido referiu o pensamento de Marcelo Jardim Linhares e Luiz Flávio Gomes. Da mesma forma conclui o Prof. Celso Ribeiro Bastos. “Por outro lado, quanto a licitude da realização desses concursos, o só fato de ter sido considerados pela Constituição já lhes tira qualquer nota de ilícito. É impensável que a Constituição tribute fatos ilícitos. Outra alteração advinda da Constituição de 1998 é a abertura desses jogos a pessoas de direito privado o que se infere de fato de explorarem elas uma atividade tributável, o que só se pode dar supondo caráter privatístico do sujeito passivo da caução fiscal já que as pessoas políticas são imunes entre si” e defende, a licitude da questão com sustento no princípio da livre atividade, constitucionalmente albergado. POSTO ISTO, DECIDO Por atipicidade – mesmo que em tese – por falta de justa causa pela ausência de elementos de convencimento e comportamento penalmente relevante e por desproporcional e não razoável a diligência requerida INDEFIRO a medida de BUSCA e APREENSÃO, objetivo da representação feita pelo Ministé3rio Público do Estado de São Paulo por meio do Grupo de Atuação Especial para Prevenção e Repreensão ao Crime Organizado – GAECO – Regional de Guarulhos, sem prejuízos de eventuais e futuras investigações pertinentes ou medidas administrativas cabíveis. Intime-se. Ciência ao Ministério Público. Após, arquive-se. Mogi das Cruzes, 12 de setembro de 2002. FREDDY LOURENÇO RUIZ COSTA JUIZ DE DIREITO