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História do Baralho

02/01/2005

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Jogos à parte, com o baralho a cigana prevê o futuro; o mágico faz seu espetáculo; o educador ensina; o psicólogo aplica testes. Há o Baralho de quarenta cartas, em que o valete é maior do que a dama, e o de 52 cartas, que é o tipo mais comum. Dados confirmados afirmam que três quartos da humanidade usam algum tipo de baralho, para algum fim. Mas afinal, como tudo isso começou? Pois bem, façam suas apostas. Para saber onde o baralho foi criado, escolha uma carta: o imperador chinês, o faraó egípcio, o xeique árabe ou o marajá indiano. Agora, para saber como ele chegou a Europa, tire mais uma carta entre outras três: o guerreiro sarraceno, os cruzados ou o aventureiro cigano. Muito bem! Pois fique sabendo que quaisquer sejam as cartas tiradas, você acertou, pois o baralho surgiu com formas diferentes, em diferentes épocas e culturas. E acabou chegando à Europa também por mãos diferentes. Teria sido inventado na China, para agradar uma das namoradas do imperador Sehun-Ho, segundo velhos relatos chineses. Mas não há unanimidade sobre isto. O inglês T. F. Carter, no livro The Invention of Printing in China (A Invenção da Impresa na China), publicado em 1925, faz referências aos jogos de cartas como sendo praticados já no ano de 969 para prever o futuro. Se, por um lado, não há consenso a respeito destas datas, por um outro lado não há muita dúvida sobre o passado religioso ou advinhatório das cartas. O antigo baralho indiano, por exemplo, tinha dez naipes, cada um representando uma das dez encarnações da entidade Vishnu. Essa ligação com o sobrenatural também fica clara quando surgem alguns dados históricos. Catherine P. Hargrave, que em 1930 publicou sua História do Jogo de Cartas, diz que no século XIV, os soldados sarracenos introduziram no sul da Itália um jogo de baralho chamado "naib"- que em herbeu quer dizer "feitiçaria"- e que pode também ter sido a origem da palavra "naipe" em português e espanhol. Religioso ou não, quando o baralho chegou à Europa entre os séculos XIII e XV, o prazer de jogar já existia. As apostas em jogos de dados (feitos em pedra ou osso), eram conhecidas em diversos países. O baralho vinha somar-se aos jogos anteriores, conquistando adeptos, certamente pelo fascínio que possui até hoje, somado ao quase infinito número de combinações matemáticas possíveis encontradas num prático maço de cartas, em tamanho de bolso. Do Oriente, fosse da China ou da Índia, chegaram na Europa os baralhos numerados e divididos em naipes. Sabe-se que eram 56 cartas com quatro figuras: o rei, a rainha, o cavaleiro e o pajem. As demais cartas eram numeradas de um a dez e os naipes já eram quatro, como nos baralhos de hoje, inspirados nos quatro naipes chineses, e não nos dez indianos. Foi então que, na Itália, surgiu o primeiro baralho fabricado na Europa: o Tarô. Eram (e ainda são) 22 cartas, das quais 21 numeradas em algarismos romanos, que representavam as forças naturais, os vícios e virtudes da humanidade. A 22a carta, il matto ( o "louco" em italiano), representava a liberdade, não tinha número, e acabou dando origem aos coringas de hoje. Entre os anos de 1300 e 1400, juntando as 56 cartas do baralho asiático com as 22 cartas do tarô, os europeus passaram a jogar com um baralho de 78 cartas, muito popular na época, chamado Tarocchi na Itália, Tarau na França e Tarok na Alemanha. Em seus primeiros tempos, o baralho era um passatempo para poucos: as figuras eram elaboradas e pintadas à mão, o que o tornava extremamente caro. Porém, já no começo do século XV, os xilófragos começaram a baratear-lhe a produção, depois de perceber que seu grande mercado estava na imprensão e venda de baralhos, que se popularizavam muito depressa. Os naipes foram padronizadados em paus, copas, ouros e espadas na França, Itália e Espanha, exceto na Alemanha: lá os naipes eram a folha, o coração, o sino e o pinhão. Surgiram o baralho espanhol e o baralho italiano de 40 cartas, até hoje usado aqui no Brasil para jogar truco ou escopa. Surgiram também os baralhos alemães de 36 ou 32 cartas (do 7 ao ÁS, passando pelas figuras), que é o mesmo baralho usado para o pôquer no Brasil, diferentemente do baralho inteiro usado nos Estados Unidos. Como não poderia deixar de ser, pelas suas próprias origens místicas, o baralho sempre foi cercado de muita superstição – superstição que leva até hoje, por exemplo, um jogador que perde com cartas novas exigir que se retorne o jogo com as usadas. Outra preocupação dos jogadores sempre foi a segurança; para evitar fraudes ou "roubos", os fabricantes também não ousaram mudar muito as costas das cartas. Foram sentimentos como esse que talvez tenham impedido uma evolução maior no design dos baralhos. Temendo afastar a desconfiada clientela com inovações em demasia, os fabricantes se mantiveram extremamente conservadores nas suas figuras de reis, damas e valetes. Neste século, porém, houve uma explosão: heróis nacionais, mulheres nuas, tentativas de desenhos modernos, personagens da história e do cinema e até mesmo experiências de reconhecida qualidade artística, passaram a figurar nas cartas. Um baralho da marca Europa, fabricado na Espanha nesta década, recupera, em detalhes, os trajes da época da Renascença e vem acompanhado de um folheto, assinado pelo catedrático da Escola Superior de Belas Artes de Madrid, Professor Teodoro Miciano, explicando as vestimentas ( diferentes para cada uma das doze figuras ) e seus pormenores. Na antiga União Soviética, tentaram trocar valetes, damas e reis por heróis da Revolução de 1917, mas não deu certo. De qualquer forma o baralho tornou-se um bom negócio até para os governos. Na Espanha e na França, por exemplo, a fabricação já foi monopólio estatal. Os tentáculos do Estado vieram mesmo a influir no próprio desenho das cartas – a Inglaterra, que até 1828 cobrava meia coroa de imposto (muito dinheiro na época) por baralho vendido, exigia que o selo comprovante do imposto pago fosse impresso no ÁS de espadas; isso gerou uma tradição pela qual até hoje, mesmo não existindo mais o imposto, o ás de espadas leva a marca do fabricante ou outro distintivo que o diferencia de todas as outras cartas. Hoje, o baralho é encarado muito mais como um passatempo familiar do que um instrumento de jogatina – do bridge ao rouba-monte, do buraco ao truco. As primeiras cartas da Inglaterra Na segunda metade do Século XV, os comerciantes italianos, espanhóis e holandeses realizavam grande parte das suas atividades nos portos ingleses. Portanto, é possível que esses comerciantes e os marinheiros que os acompanhavam tenham sido os responsáveis pela introdução das cartas na Inglaterra, já que anteriormente a esse período não existem registros da chegada das cartas às Ilhas Britânicas. A partir daí, rapidamente, as cartas foram importadas e alcançaram extraordinária expansão, mesmo essa prática sendo considerada ilegal. Mesmo assim, a prática de jogos com cartas era realizada inclusive pela realeza, e são as vestimentas usadas pelas classes mais elevadas da sociedade inglesa as retratadas nas figuras do baralho da primeira metade do século XVI. Calcula-se, que no início do século XVII eram vendidos na Inglaterra cerca de meio milhão de baralhos por ano, e isso, mesmo depois da proibição total de jogos de cartas e dados decretada por Henrique VIII devido aos constantes conflitos entre soldados que jogavam. No século XVIII os primeiros impostos ingleses sobre as cartas foram estabelecidos. Hombre O jogo espanhol hombre foi um dos primeiros que utilizaram o leilão, por meio do qual um dos jogadores (o declarante) procura cumprir um contrato, enquanto os outros buscam impedi-lo de fazer isso. Foi daí que evoluiu o leilão tal como é praticado hoje em jogos como o trasillo (ou voltarete, em Portugal), o tarô, o skat, o boston e o bridge. No bridge em particular ocorre uma curiosa situação: jogam duas duplas, cada qual procurando estabelecer o melhor contrato para si (jogo para quatro). Uma vez conseguido esse objetivo, um dos membros da dupla ganhadora "morre" e o outro – o declarante – joga contra a dupla contrária, que procura impedi-lo de cumprir o contrato (jogo para três). Como mais um exemplo da popularidade e da influência do hombre entre os ingleses – e por decorrência, em todo o mundo de tradição anglo-saxônica -, vale lembrar que os naipes pretos do baralho inglês são spades (espadas) e clubs (bastões), nomes que derivam das designações dos naipes do baralho espanhol (espadas e bastos) e que não têm nenhuma relação com os desenhos que aparecem nas respectivas cartas (setas e trevos). Fabricação das cartas Os primeiros exemplares de cartas de jogar e eram desenhados e coloridos manualmente, como mostram inúmeros exemplos conservados nos museus especializados. As primeiras cartas eram totalmente elaboradas a mão, o que fazia delas objetos preciosos e delicados. Apesar disso, e das leis de proibição ao jogo promulgadas na maior parte dos países europeus, os jogos de cartas incluíram-se rapidamente entre os costumes de todas as classes sociais. Por esse motivo, foi necessário aumentar a produção de baralhos, com o objetivo de atender a uma demanda sempre crescente. Uma forma de tornar mais rápida e simples a fabricação das cartas foi a aplicação de cor sobre elas diretamente com os dedos, sem que se respeitassem os limites assinalados pelas linhas do desenho. É nessa época, no início do século XV, que começam a ser empregadas as máscaras, que consistiam em padrões ou moldes perfurados ou entalhados. Para cada carta, havia várias máscaras, uma para o desenho básico e outra para as diversas cores. As tintas eram aplicadas com pincéis especialmente adequados para este trabalho. Uma segunda fase da evolução das cartas inaugura-se com a introdução das técnicas de gravura. Para isso se utilizava uma matriz de madeira (xilogravura) e, sobre as folhas ou cadernos impressos, aplicavam-se as máscaras para o colorido posterior. Xilografia é um processo que permite gravar ou imprimir a partir de um bloco de madeira, do qual se suprimem as partes que não devem aparecer na estampa e se deixam em relevo as superfícies lisas que receberão a tinta e que serão impressas no papel. A imagem final, chamada gravura, é o resultado da impressão xilográfica. Inicialmente esse processo foi empregado para estampar tecidos, e após a invenção do papel pelos chineses, a xilogravura disseminou-se rapidamente no Oriente. Da impressão de textos foi que surgiu a idéia de empregar tios móveis (isto é, letras avulsas) para imprimir, pois com isso era possível reordenar e reutilizar os tipos para a impressão de outras páginas (em vez de se realizar uma gravação para cada página). Foi assim que aconteceu a invenção da Imprensa. A operação realizava-se inicialmente mediante pressão manual, sobre papel que fora antes levemente umedecido. Mais tarde se empregariam prensas de rosca. Depois da impressão aplicavam-se as cores. Para esse trabalho os artesãos usavam a máscara (padrões ou moldes perfurados ou entalhados). Além disso, eles também empregavam matrizes para imprimis seus nomes, ou marcas de fábrica, nos estojos dos baralhos. A Litografia, ou litogravura, é um sistema de impressão baseado no fenômeno físico-químico de repulsão entre a água e os materiais gordurosos, ou seja, no fato de que a água e substâncias gordurosas não se misturam. A imagem que se pretende reproduzir é desenhada numa pedra (pedra litográfica) ou numa placa metálica (normalmente de zinco). Para fazer esse desenho emprega-se uma substância oleosa. Depois que ele está terminado, realiza-se sua fixação com ácido nítrico dissolvido em água (água-forte) e goma arábica. O ácido nítrico abre os poros da pedra permitindo que esta absorva a gordura, enquanto a goma arábica realiza a tarefa básica de fixação. A imagem fixada atrai tinta oleosa e repele água, motivo pelo qual, quando a pedra é umedecida com uma esponja e se passa sobre ela um rolo impregnado de tinta oleosa de impressão, a tinta adere no desenho mais não no restante da pedra molhada. O processo é complexo e exige pessoal qualificado porém seus resultados compensam já que o desenho original é fielmente reproduzido nas cópias. Pouco antes de ser abandonada como procedimento de impressão industrial, a pedra litográfica começou a ser substituía por pranchas metálicas. Mais tarde os modernos modos fotomecânicos de impressão acabariam definitivamente com a litografia, que se conserva atualmente como processo apenas industrial. O Ofício de artesão de cartas O mestre de cartas, fosse estampador ou pintor, encarregava-se pessoalmente da realização da estampagem e do colorido das cartas de jogar, já que essas duas operações eram consideradas fundamentais para garantir a necessária qualidade de fabricação. As operações secundárias do processo de produção de cartas – preparação e colagem do papel, corte e pesagem dos baralhos, preparação das cores e das tinturas, etc – eram realizadas por familiares do mestre de cartas, por aprendizes ou mesmo por pessoal assalariado. Antes de obter o título de artesão de cartas, o interessado precisava passar por um período de três anos de aprendizado como discípulo de um mestre do ofício. Durante esse tempo, o aprendiz convivia com o mestre na casa deste. Suas obrigações incluíam misturar cores, estender e secar as três folhas de papel que, coladas, eram usadas para a fabricação das cartas e, ainda, a limpeza das ferramentas ao final da jornada de trabalho. Depois do aprendizado vinha um período, que variava de três a seis anos, durante o qual o artesão trabalhava na condição de oficial. Para obter o título de mestre era indispensável ao candidato ter passado aos três anos de aprendizado com um mestre artesão de cartas diplomado. Além disso, ele precisava apresentar uma obra-prima de sua criação, que seria julgada pelos “guardiães do ofício, que examinavam as aptidões e o talento do candidato. Os exames não eram fixos. Variavam segundo o parentesco entre o aprendiz e o mestre. Assim, filhos de mestres artesãos de cartas tinham maiores facilidades para passar nas provas. Por último era costume que o profissional, uma vez tendo recebido o título de mestre artesão de cartas, oferecesse um refresco ou uma refeição leve às pessoas que tivessem acompanhado seus exames. Site da Copag