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Marcelo Viana: Mega-Sena ilustra os mistérios do acaso

27/06/2018

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Marcelo Viana

Sorteio recente em que todas as dezenas sorteadas começavam com 5 provocou surpresa

Marcelo Viana*

De todas as áreas da matemática, a probabilidade é a que mais desafia a nossa intuição. Como pode a ciência da exatidão lidar com a incerteza?

Os primeiros avanços motivados por jogos de azar remontam aos séculos 16 e 17, mas a teoria só se consolidou no século 20, com os trabalhos do grande matemático soviético Andrey Kolmogorov (1903-1987).

A matemática da probabilidade baseia-se no fato de que, mesmo quando o resultado é incerto, muitas coisas interessantes podem ser ditas se o experimento for repetido muitas vezes.

Quando lançamos uma moeda não há como sabermos qual face vai dar. Mas pode estar certo de que se fizer isso mil vezes ou mais haverá pelo menos 49% de caras e 49% de coroas.

Tudo isso vem a propósito do resultado peculiar da Mega-Sena desta semana: as seis dezenas sorteadas começam com o dígito 5. Mas será que isso é tão surpreendente quanto parece?

Existem 50.063.860 combinações na Mega-Sena e todas são igualmente prováveis: a chance de sair 50, 51, 56, 57, 58, 59, como aconteceu, é exatamente a mesma de qualquer combinação “sem graça”.

Além disso, são 1.134 combinações em que as seis dezenas começam com o mesmo dígito. Com isso, tal resultado tem probabilidade de 0,0023%, ou seja, ele deverá ocorrer uma vez a cada 44.184 sorteios.

Resumindo, um resultado assim aconteceria mais cedo ou mais tarde —o que não impede de ficarmos surpresos a cada vez. Mas é inusitado que tenha sido tão cedo: até hoje houve apenas cerca de 2 mil sorteios da Mega-Sena.

Há uma piada do passageiro que morre de medo de atentado à bomba. Para se prevenir, ele sempre embarca com uma bomba na mala: “a probabilidade de haver duas bombas no mesmo avião é baixíssima!”, justifica.

Qual é o erro desse raciocínio? Respostas são bem-vindas pelo email viana.folhasp@gmail.com.

(*) Marcelo Viana é matemático, diretor-geral do Impa, e ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France. O artigo acima foi veiculado na editoria ‘Colunas e Blogs’ da Folha de São Paulo.