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Ministério Público investiga a Loteal.

19/08/2003

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Um recibo de depósito e as declarações prestadas à polícia por um bicheiro são, para o Ministério Público, a ligação entre o governo do Estado e os bicheiros que estão por trás da Loteal, a autarquia estadual que explora a Zooloteria. Para o procurador de Justiça Sérgio Jucá, o nome é “apenas um eufemismo” que encobre uma situação irregular e grave: a de que o governo está envolvido com uma contravenção penal.

“A Zooloteria não é uma modalidade lotérica; é jogo do bicho disfarçado”, diz o procurador, que investiga essa relação desde fevereiro, pelo menos, e para quem ela pode provocar levar o governo a um desgaste de dimensões nacionais. Em julho, o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, argüiu junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade da lei que criou as loterias semelhantes nos Estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso e Espírito Santo. “Mais dia, menos dia, ele pode fazer o mesmo em relação à lei que instituiu a loteria de Alagoas”. Além da relação, há outro aspecto que o procurador considera mais grave: o Estado ficar com apenas 7% do que é apurado por quem explora a loteria.
É o que diz a cláusula terceira do “Contrato para permissão do serviço público lotérico estadual na modalidade zooloteria”, assinado por Carlos Jorge Pimentel da Silva, na qualidade de representante dos operadores, por Carlos Roberto Silva Beltrão, pela Loteal, e pelo próprio governador Ronaldo Lessa.
“Os banqueiros do bicho ficam com 93% da arrecadação bruta, que corresponde à ‘parte do leão’. Esse é um percentual inusitado para um contrato”, avalia. Segundo o procurador, todas as provas colhidas durante a investigação serão repassadas a um grupo de cinco promotores designado pela Procuradoria Geral de Justiça para investigar a Loteal.
“Aquilo que se referir ao governador Ronaldo Lessa será encaminhado ao procurador-geral, Dilmar Camerino. Se houver indícios de prática de infração penal ou ato de improbidade administrativa, caberá a ele encaminhar o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o foro apropriado para apreciar essas questões quando se referem a um governador. O Ministério Público vai apurar todas as denúncias existentes contra a máfia do jogo de azar que se enraizou em Alagoas, com o beneplácito do governo do Estado”, disse Jucá.
Recibo bancário revela valores.
Os recibos de depósito em poder do Ministério Público, alguns dos quais obtidos por O JORNAL, referem-se ao percentual devido ao Estado por parte das pessoas que exploram a loteria de bichos. São os tais 7% que os operadores do jogo devem recolher à Loteal.
O documento de número ZOO-001/006, de 8 de maio deste ano, tem o valor de R$ 1.881,60. Uma simples regra de três, com base no percentual que fica com os operadores, 93%, mostra que eles levaram R$ 24.990,00.
O recibo ZOO-002/009, de 7 de maio, mostra que foram depositados em favor da Loteal R$ 2.727,23. Aquele mesmo cálculo mostra que as pessoas que exploram a loteria embolsaram R$ 32.230,00.
Entretanto, a prova da relação entre o governo e o jogo do bicho está em outro recibo, o de número ZOO-004/007. Os R$ 844,20 a que se refere o documento foram depositados pela microempresa Plínio Batista Júnior. O pai do titular dessa ME, Plínio Batista, é um dos mais conhecidos donos de bancas de jogo em Alagoas.
Outros recibos em poder do Ministério Público também trazem o mesmo sobrenome: o de número ZOO-005/009, de 7 de maio (R$ 823,20), está em nome da microempresa de João Batista e o de número ZOO-006/009, da mesma data (R$ 940,80), no da microempresa de Fábio Augusto Gomes Batista.
Outro aspecto que, segundo o procurador, chama a atenção é o fato de a agência bancária que recebe os depósitos situar-se na Praça dos Martírios, onde fica o Palácio do Governo.
“Banqueiro” diz que jogo foi legalizado.
No dia 27 de maio, Plínio Batista prestou declarações no 10º Distrito, em Paripueira, depois da apreensão de bancas de jogo pela autoridade judicial da cidade. Ele alegou que não é bicheiro “até porque este tipo de jogo foi legalizado pelo Governo do Estado de Alagoas, passando a ser denominado ‘Zooloteria de Números e Prognósticos’, sendo explorado pela Loteal”. Para o Ministério Público, esta é outra prova da ligação entre os operadores do jogo de azar e o poder público estadual.
No documento, Batista disse ainda que soube do episódio por seu filho, Plínio Batista Júnior, um dos concessionários da loteria, mas que sua microempresa não operava na região de Paripueira.
INVESTIGAÇÃO – A investigação do Ministério Público começou oficialmente em fevereiro, quando Jucá propôs no Colégio de Procuradores que a instituição começasse a apurar as condições em que se dá a exploração de bingos e caça-níqueis.
O procurador-geral de Justiça, Dilmar Camerino, designou o grupo especial, composto de cinco promotores. Mas Jucá já estava investigando a atividade. Uma das etapas dessa apuração foi o pedido de informações à Secretaria de Controle e Regulação, à qual está vinculada a Loteal, sobre o destino dado aos recursos apurados pela loteria, ainda que em percentual tão reduzido.
O secretário Reinaldo Falcão informou que o repasse dos operadores financiava projetos e atividades na área social, como se propõe a Loteal. Mas ele discorda. “É tudo projetado. Os repasses estão sendo feitos agora porque esse escândalo estourou. A Loteal diz que os recursos são repassados, mas não prova por quê; se há algum repasse, ele está sendo feito só agora”, diz Sérgio Jucá.
Sobre as declarações do procurador-geral do Estado, Ricardo Mero, de que o Ministério Público não tem competência para empreender tal investigação, ele disse: “Não acredito que o doutor Mero tenha dito isso; mas, se disse, se precipitou e cometeu uma asneira jurídica. O Ministério Público não tem competência; tem atribuição. A lei reservou a competência, como definição de legitimidade da autoridade, para os magistrados”.
O Jornal (AL)