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Nota técnica do MPF defende que o jogo fique na clandestinidade

27/11/2017

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O Ministério Público Federal (MPF) é favor da manutenção dos jogos de azar clandestinos no Brasil. Este entendimento ficou claro na nota técnica distribuída na noite da última quinta-feira (23) pela Secretaria de Relações Institucionais (SRI), que reiterou sua contrariedade ao projeto de regulamentação dos jogos através do PLS 186/2014, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, que poderá se apreciado e votado na próxima quarta-feira (29).

A nota assinada pelo secretário de Relações Institucionais do MPF, subprocurador-geral da República Carlos Alberto Vilhena, contém equívocos, imprecisões, retórica, interpretações distorcidas, teses não comprovadas através de reportagens de jornais e uma promessa impossível de ser cumprida. O texto do procurador também reconhece que o substitutivo apresentado pelo Senador Benedito de Lira (PP-AL) na CCJ procurou inserir modificações no texto para “aprimorar a forma como se dará a implementação dos jogos de azar no Brasil”. A nota técnica destaca as modificações:

 

Cita-se, a título de exemplo, algumas das modificações realizadas pelo

substitutivo:

i) alteração da nomenclatura para jogos de fortuna, incluindo a possibilidade de jogos de fortuna por meio eletrônico;

ii) atribuição de competência aos Estados e ao Distrito Federal para fiscalizar os estabelecimentos credenciados para a exploração dos jogos de fortuna, excetuando os cassinos, que permanecerá sob a responsabilidade do Poder Executivo Federal;

iii) identificação dos jogadores pelos estabelecimentos credenciados. O substitutivo prevê que os estabelecimentos devem identificar os jogadores que receberem premiações superiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), e informar ao Poder Executivo Federal;

iv) aumento do valor das multas que podem ser aplicadas no caso de infração administrativa, prevendo que o valor será destinado ao ente arrecadador para investimento em segurança pública;

v) proibição da permanência de menor de dezoito anos em estabelecimento que explore jogos de azar;

vi) obrigação para que haja mensagem alertando sobre o vício na prática da atividade nos estabelecimentos de jogos de fortuna;

vii) inclusão das pessoas jurídicas autorizadas a explorar jogos de azar na Lei de Lavagem de Dinheiro, de modo que sejam obrigadas a cadastrar os clientes e informar operações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF);

viii) determinação para que Banco Central do Brasil adote providências, respeitadas as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, para coibir o uso de instrumentos de pagamento, como cartões de crédito, em jogos de azar por meio eletrônico administrados por empresa não credenciada.

Mesmo com as alterações realizadas, o MP ainda sugere a rejeição da matéria. “O fato de o relator apresentar um melhor detalhamento da forma como se dará a legalização dos jogos, não resolve o problema de mérito do projeto, que está na própria essência da legalização, em relação à qual o Ministério Público Federal reitera a sua contrariedade. O problema do projeto não está na forma como será feita a eventual implementação da legalização dos jogos de azar, mas na impossibilidade e inconveniência de se legalizar a atividade”.

O MP define o projeto como o “mais amplo e permissivo do que qualquer outro já discutido pelo Congresso Nacional” pelo fato de legalizar a demanda do mercado, entrega da operação aos estados e, acreditem, porque “prevê um altíssimo índice de retorno ao apostador”. 

O procurador mostra no início do documento total ignorância sobre o assunto abordado, pois jogos físicos têm alta premiação para os apostadores, diferente dos concursos de prognósticos ou loterias. O payout médio das loterias Caixa é de média de 32,4%. Somente este entendimento já desqualificaria a opinião do autor da nota técnica, mas o BNL analisou o conteúdo para esclarecer e mostrar que estão completamente equivocados.

 

“Impossibilidade e inconveniência”

Como pode ser impossível legalizar esta atividade se entre os 193 países-membros da ONU, 75,52% têm o jogo legalizado e o Brasil está entre os 24,48% que não legalizaram esta atividade, sendo que a maioria são islâmicos. A admissão da “impossibilidade” acaba sendo um atestado de incompetência do Estado brasileiro.

Já a “inconveniência” em não criar um marco regulatório para este setor no país é um desejo dos procuradores do Ministério Público, que preferem manter o jogo na clandestinidade ou na “marginalidade” conforme manifestado na nota técnica do MP, que cita o artigo intitulado “A legalização dos bingos sob prisma da lavagem de dinheiro”, do procurador da República Deltan Dallagnol.

Este artigo tem uma declaração insólita do chefe da força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público Federal:

 

“Por outro lado, a manutenção da atividade do bingo na esfera da ilegalidade impede que ele seja usado para “esquentar” recursos, pois os negócios de jogo tendem a não crescer demasiado quando na marginalidade e, caso o criminoso declare ganhos a título de exploração do jogo, tais valores estarão sujeitos a perdimento por constituírem produto de ilícitos, remanescendo “frios”.”

 

Opinião do desembargador especialista em lavagem de dinheiro

Esta não é a opinião do especialista no combate a crimes financeiros, o desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e autor do de numerosos livros sobre o tema, como Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro (Saraiva) e Delinquência Econômica e Financeira (Editora Forense). Fausto De Sanctis comenta sobre atividades que operam no anonimato e cita os jogos de azar como um destes segmentos. O desembargador também sugere, em caso de legalização dos jogos, a criação de mecanismos de controles para facilitar a fiscalização desta atividade, previstos no substitutivo ao PLS 186/14 do senador Benedito de Lira.

 

“No caso de cassinos ou de bingos, qualquer lei autorizadora, ainda que venha a prever pagamentos de tributos relevantes com destinação específica, há de obrigar a sua informatização, além de possibilidade de acompanhamento de sua movimentação financeira online e em tempo real, com possibilidade de fiscalização e controle do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ou de um órgão do setor a ser eventualmente criado. Também a obrigação da monitorar seus usuários (“conheça o seu cliente”) e a entrega de prêmios apenas ao ganhador etc. devem ser condições impostas ao setor”.

MP usa opinião do COAF sobre o PL 2254/07 para referenciar o PLS 186/2014

A nota técnica do MP é leviana ao usar uma opinião do presidente do Conselho de Controle das Atividades Financeiras – COAF, Antônio Gustavo Rodrigues durante a discussão do PL 2254/07, em abril do ano de 2010, para referenciar o PLS 186/2014.

Sobre o PL 2254/07 o representante do COAF disse que “os mecanismos para mitigar os riscos das casas de jogos que constam da proposta atual não são adequados”, e que o COAF e a Receita Federal – órgãos aos quais caberia, segundo a proposta, a responsabilidade pela fiscalização – “não estão preparados para isso”.

No texto distribuído para imprensa e, que não consta do conteúdo da nota técnica, a Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República acrescenta que durante a discussão de projeto semelhante em 2007, os órgãos que ficariam incumbidos do controle dos jogos de azar manifestaram que não estão estruturalmente e tecnicamente preparados para de fiscalizar essas atividades.

Na verdade, o debate do sobre o PL 2254/07 não se deu no ano de 2007 como afirmado acima, mas em março de 2010, ou seja, há sete anos atrás. Realmente, o Ministério da Fazenda e seus órgãos vinculados como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e Receita Federal não tem estrutura para fiscalizar os jogos, mas cabe destacar que nos últimos cinco anos os técnicos do Ministério da Fazenda estão se preparando para esta tarefa através de participação de congressos internacionais, feiras mundiais, cursos como os de extensão ‘Strategic Perspectives in The Gaming Industry’, promovido pela Universidade de Nevada (EUA) no Campus Redfield UNR na cidade de Reno e de regulação ‘Essentials of Gaming Law & Regulation’, Universidade de Nevada, no campus da cidade de Las Vegas.

Além disso, o Executivo só poderá criar estrutura de fiscalização e controle dos jogos de azar a partir da legalização pelo Congresso Nacional e regulamentação pelo Executivo. Portanto, é totalmente correto que os representantes dos órgãos manifestem que não estão estruturalmente e tecnicamente preparados para de fiscalizar os jogos de azar por um simples motivo: atualmente eles são ilegais.

Inclusive a nota técnica sugere a recomendação da reunião plenária da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Ativos (ENCCLA) realizada em novembro de 2015, os participantes deliberaram pela recomendação “ao Congresso Nacional que, na eventual apreciação de proposições legislativas para autorizar a exploração de jogos de azar, sejam considerados os padrões internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro, inclusive a necessidade de estrito controle administrativo por órgão especializado”.

Ou seja, a criação de uma agência reguladora exclusiva para fiscalizar e controlar os jogos, conforme as melhores práticas e padrões internacionais.

 

Informação errada gera perda de credibilidade

A nota técnica tenta sugerir que o PLS 186/14 vai permitir um descontrole na “criação de centenas de bingos e cassinos a curto prazo” e comenta que “essa projeção se mostra real pela experiência, pois, durante a vigência da Lei Pelé, só a cidade do Rio de Janeiro abrigou mais de 70 casas de bingos oficiais”.  

É um equívoco considerar que a quantidade de 70 casas de bingos é muito para um estado com uma população estimada em 2007 de 15 milhões de habitantes. Para que não haja descontrole o relator inseriu no texto a norma que será credenciada no máximo uma casa de bingo a cada 150 mil habitantes no Município onde o estabelecimento deverá funcionar.

Erros em informações provocam a perda de credibilidade e neste caso não é só por conta do número de bingos, mas também pela legislação que abrigava estas casas. O Estado do Rio de Janeiro teve 54 bingos durante o período em que esteve legalizado. Além disso, estas casas não estavam sob a vigência da Lei Pelé, mas sob a ‘Lei dos Bingos’ da Loteria do Estado do Rio de Janeiro – LOTERJ.

 

Falta de leitura do substitutivo ao PLS 186/14

Não sabemos que se foi por falta de leitura, ignorância ou má-fé, mas a nota técnica do Ministério Público cita que “o projeto em exame não prevê controles mínimos sobre as receitas das máquinas “caça-níqueis”, objeto maior de cobiça por parte dos futuros exploradores dos jogos de azar, as quais sempre foram manipuladas para ludibriarem o consumidor”. O documento cita reportagem do Correio Braziliense de 2007, informando que “existem programas de computador que manipulam a probabilidade de ganhos dos jogadores. Em alguns casos, máquinas chegaram a reter 64% do dinheiro apostado. Em países como os Estados Unidos, onde o jogo é permitido em alguns estados, a retenção de valores não ultrapassa 10%”.

Inicialmente, cabe destacar que não é necessário programa de computador para definir qual o percentual de premiação que o software de uma máquina de vídeo-bingo ou vídeo-jogo vai devolver para o apostador, pois a própria programação deste equipamento define este payout.

Se o procurador que assina a nota tivesse analisado o substitutivo do senador Benedito de Lira, poderia notar a preocupação do parlamentar em criar mecanismos de controles, proteção e de defesa ao consumidor: “Os prêmios das máquinas de vídeo-bingo deverão corresponder a, no mínimo, 80% do total das apostas por máquina”. A livre concorrência entre os operadores resultará no crescimento deste percentual, a exemplo de países como os Estado Unidos.

O texto do PLS 186/14 também prevê que para o licenciamento das máquinas de vídeo-bingo e vídeo-jogo haverá necessidade de certificação destes equipamentos por laboratórios independentes, como registrado em países como os Estados Unidos:

 

“Para licenciamento das máquinas de vídeo-bingo e vídeo-jogo e de sistemas eletrônicos on-line que ofereçam, no Brasil, jogos de fortuna em geral, será obrigatória a emissão de laudo técnico por laboratórios independentes especializados, com reconhecimento internacional e experiência comprovada documentalmente, de anterior prestação de serviços a outros países.

§ 1º Os laboratórios emissores de laudos técnicos de que trata o caput serão obrigatoriamente credenciados pelo órgão federal competente.”

 

Sistema cashless

Outro poderoso mecanismo sobre as apostas inserido no substitutivo do senador Benedito de Lira para facilitar o controle sobre o dinheiro que será apostado nos bingos e cassinos é a introdução do sistema cashless (cartão pré-pago), que impede a introdução de moedas ou cédulas de dinheiro nas máquinas vídeo-bingo e vídeo-jogo.

 

“O sistema de gestão de controle (SGC) de que trata o § 6º deste artigo deverá funcionar sob condição cashless, em bingos e cassinos, o que, para efeitos desta Lei, corresponde ao impedimento de introdução de moedas ou cédulas de dinheiro nas máquinas eletrônicas e de armazenamento de créditos em cartão, com a identificação do jogador, em conta única.”

 

O sistema cashless é uma tecnologia que traz inúmeros benefícios para vários tipos de eventos e, embora já seja bastante utilizada lá fora, ela ainda está conquistando o mercado brasileiro aos poucos. Apesar do nome complicado, o sistema elimina o uso de dinheiro e cartão de crédito e débito nas casas de jogos. Para isso, são usados cartões com chip que proporcionam ao apostador fazer uma recarga pré-estabelecida de um valor “x” para gastar na casa de jogos. E tudo isso é feito de maneira criptografada, o que garante mais controle, segurança e comodidade para todos os envolvidos.

 

Sistemas interligados

O substitutivo ao PLS 186/14 também prevê que o órgão regulador definido pelo decreto regulamentador determine que as casas de apostas interliguem seus sistemas de controle de apostas aos da autoridade fiscal para garantir o monitoramento contínuo e em tempo real de suas atividades.

 

“O Poder Executivo Federal poderá determinar, na forma do regulamento, que os estabelecimentos credenciados a explorar jogos de fortuna interliguem seus sistemas de controle de apostas aos da autoridade fiscal competente, de forma a permitir o monitoramento contínuo e em tempo real de suas atividades.”

 

Lavagem de dinheiro

A primeira conclusão da nota técnica do Ministério Público é que o “projeto de lei que legaliza a exploração ampla e indiscriminada de jogos de azar no Brasil não cria mecanismos de controle efetivo da lavagem de dinheiro e da sonegação fiscal, ao contrário, cria novos e poderosos mecanismos para a lavagem de dinheiro”.

De acordo com os percentuais previstos no substitutivo do senador Benedito de Lira, lavar dinheiro em casas de jogos no Brasil poderá representar um custo financeiro alto de até 63.11% devido aos 10% do valor referente a ‘Contribuição Social’ prevista no Artigo 34 do PLS 186/14 e ainda 16,33% (IRPJ 4,8%, CSLL 2,88%, PIS 0,65%, COFINS 3% e ISS 5%) referente aos tributos sobre Lucro Presumido de uma empresa prestadora de serviços. E ainda tem a retenção dos 30% do valor do prêmio referente a alíquota do Imposto de Renda.

Uma análise nos percentuais dos tributos demonstra que estão profetizando um grande equívoco, já que existem atividades mais vantajosas economicamente para lavagem de ativos no país e no mundo.

O texto do Senado obriga a inclusão das pessoas jurídicas autorizadas a explorar jogos de azar na Lei de Lavagem de Dinheiro, de modo que sejam obrigadas a cadastrar os clientes e informar operações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e obriga que prêmios acima de R$ 10 mil sejam informados pelos operadores de jogos e os ganhadores sejam identificados.

 

§ 3° Os estabelecimentos de que trata o caput remeterão ao Poder Executivo Federal, na forma do regulamento, informações sobre os jogadores que receberem premiações em valores superiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) de uma única vez.

§ 4° Todos os jogadores cujo prêmio for superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) deverão ser devidamente identificados e cadastrados, incluindo-se o nome, endereço e número de CPF, sendo vedado o cadastro, a qualquer título ou pretexto, de menor de idade, devendo os respectivos registros ficar disponíveis para todos as autoridades tributárias, em tempo real (on-line).

 

Com toda tecnologia disponível, o argumento de que o jogo legalizado poderia ser propício à lavagem de dinheiro é uma falácia para quem estuda e entende do assunto. Além disso, a tributação comprova que lavar dinheiro em jogo é caro e arriscado, pois o ‘lavador’ vai colocar holofote sobre o dinheiro.

 

Manifestação dos órgãos de controle

A nota técnica é leviana em afirmar que “os próprios órgãos aos quais incumbiria o controle dos jogos de azar já manifestaram publicamente a absoluta impossibilidade de fiscalizar essas atividades, circunstância que, por si só, já imporia a rejeição do projeto”.  O Ministério Público Federal concluiu esta possibilidade através das declarações de representantes do governo de sete anos atrás, mesmo assim sobre uma proposta que estava sendo analisada na Câmara dos Deputados.  Sobre o PLS 186/14 ainda não houve manifestação do Ministério da Fazenda.

A mais recente manifestação do Executivo sobre a legalização dos jogos foi do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles em audiência pública na Câmara dos Deputados, realizada no último dia 21 de novembro. Na oportunidade o ministro disse que a legalização dos jogos é uma questão complexa, mas é uma discussão da sociedade brasileira através do Congresso Nacional.  

Só existe uma solução para o jogo tolerado no Brasil, legalizar, regulamentar, controlar e fiscalizar.

 

Inoportuno para quem?

A última conclusão da nota técnica do MP destaca que o “projeto de lei é inoportuno, porque há em andamento uma enorme comunhão de esforços por parte dos órgãos de repressão penal para desarticular as organizações criminosas voltadas para o jogo ilegal”.

Chega a ser risível a afirmação protocolar sobre a enorme comunhão dos órgãos de repressão para combater o jogo ilegal.

Mesmo com todo o trabalho das polícias estaduais e federal, Ministério Público e Justiça o jogo tolerado não foi interrompido. Nem a prevalência do trinômio criminalização, perseguição policial e penas indiscriminadas resolveu o problema.

Há 76 anos que os órgãos de repressão estão enxugando gelo…