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O terrível vício da compulsão de jogar

14/05/2003

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“Sou cearense, radicada em São Paulo desde os anos 70, tendo 51 anos de vida. Nasci e fui criada dentro dos preceitos da Igreja Católica, com sólida formação familiar. Pertenço a uma das mais ilustres e tradicionais famílias cearenses da qual sinto grande orgulho, bem como tenho orgulho em pertencer à irmandade de Jogadores Anônimos”.
Com essa introdução, a integrante do Jogadores Anônimos em São Paulo, que assina com o pseudônimo de “Maria Gladys”, lançou pela internet seu grito de alerta para o problema do jogo compulsivo, que tem-se alastrado em todo o País através das casas de bingo e dos caça-níqueis.
“Maria Gladys” chama a atenção não apenas para o processo de degradação humana que vem sendo favorecido pela disseminação das casas de jogo, como até a própria indiferença para essa enfermidade, já reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela lembra de iniciativas isoladas na imprensa em mostrar a gravidade do jogo, da forma como vem acontecendo no Brasil nos últimos anos, principalmente no que se refere às máquinas de caça-níqueis e os bingos virtuais.
“Estes bingos (cassinos) proliferaram em todo o País, tendo como resultado o alto índice de pessoas prejudicadas, com grande incidência de portadores da doença, acarretando suicídios, desajustes familiares, pessoas que perdem famílias, casas, carros, imóveis, fazendas, todas as suas economias de anos sendo levadas pelo ralo”, afirma “Maria Gladys”.
Diferente do que acontece entre dependentes de drogas lícitas e ilícitas, os hospitais públicos ou privados não dispõem de ambulatórios para atendimento de viciados em jogos. Além disso, não se conta no Ceará sequer com uma instituição de auto-ajuda, como os Jogadores Anônimos, de modo a contribuir no enfrentamento do problema, quando se torna compulsivo.
Pior ainda, conforme reconhece jogadores em processo de recuperação. Por ser uma doença silenciosa, sem as manifestações físicas apresentadas claramente por um bêbado ou drogado, torna-se mais alarmante os efeitos nos doentes, à medida que mergulham fundo no buraco financeiro, na desagregação familiar e na degradação humana.
Na contramão da indiferença, o pedido de socorro de “Maria Gladys” propõe uma mobilização para que se inaugure um grupo de auto-ajuda em Fortaleza, por entender o quanto a entidade poderia ser útil para os jogadores locais.
Além de defender a instalação de um centro em Fortaleza, ela recomenda que viciados e familiares possam participar de salas virtuais e que se dispõem a um contato para o alongamento de um apoio. O site divulgado é o www.jogadoresanonimos.org ou os telefones (011) 6168.8202 e 5562.5055.
O coordenador nacional dos Jogadores Anônimos, que se identifica apenas pelo nome de Paulo, diz que o dirigente da entidade não pode emitir uma opinião radical contra as casas de jogo. No entanto, ressalta, que defendê-las, seria o mesmo que apoiar a instalação de mais indústrias de cigarro, mesmo sabendo o quanto esse faz mal. “O argumento de que os cassinos oferecem trabalho não é pertinente porque as indústrias de cigarro também empregam pessoas, mas hoje em todo o mundo há uma cruzada contra o fumo”, lembra Paulo.
Na sua opinião, a contribuição dos cassinos ou casas de bingo foi no sentido de dar uma aparência social para o jogo, que antes acontecia de forma clandestina ou submetida a um forte preconceito. “Com as casas de bingo, os jogadores compulsivos encontraram um álibi perfeito para dar vazão ao vício”, salienta.
SERVIÇO – Jogadores Anônimos RJ (21) 2459-9374; sp (11) 6168-8202. International Service Office – LA (EUA) (213) 386-8789 e isomain@gambler-sanonymous.org; CNSJA – comiteja@bol.com.br
Mulheres e idosos
Não há um perfil definido que descreva o jogador compulsivo. No entanto, o vício tem crescido entre aposentados e mulheres, conforme constata os Jogadores Anônimos. Em geral, são estimulados pela dopamina e cerotonina, chamados mecanismos do prazer, que atuam como impulsos elétricos no cérebro.
Fato em comum entre todos os compulsivos é desenvolverem uma doença psíquica, que pode culminar numa patologia grave, a merecer cuidados terapêuticos e medicações destinadas a conter a ansiedade.
O diretor do Hospital Mental de Messejana, José de Anchieta Cruz de Maciel, diz que a patologia é um transtorno factível, e, por isso, deve ter tratamento psiquiátrico. Ele próprio tem acompanhado jogadores compulsivos e verifica como é complexo o tratamento do doente. “O jogador patológico tem uma necessidade intensa de compensar uma ansiedade. No entanto, o alívio dessa doença somente acontece quando se joga”, observa Anchieta.
Diferente do que acontece no Hospital das Clínicas, que criou um ambulatório para o atendimento de jogadores patológicos, o Hospital Mental de Messejana não conta com um setor específico para o tratamento desses doentes.
Paulo, da Jogadores Anônimos, diz que no seu caso foi fundamental a prescrição de medicamentos psiquiátricos, bem como o acompanhamento da psicoterapia. Muito mais do que isso, pôde contar com o apoio de um grupo de auto-ajuda, o qual hoje é coordenador nacional.
Aos 55 anos, Paulo está há seis anos livre das apostas. Atualmente, descreve como um calvário a fase mais crítica do seu vício. “Era um aposentado com muito tempo ocioso, alguns recursos e que me vi preso e comprometendo todas as minhas economias nas casas de bingo”, conta.
Das poucas apostas as mais acentuadas, que foram acontecendo no passar das noites, Paulo experimentou a degradação pessoal, a crise de seu casamento e um buraco financeiro sem precedentes, cativos de dívidas a bancos e financeiras.
“Estou longe do jogo, mas não posso dizer que estou totalmente recuperado. O mais importante é que com o meu esforço de libertação também tenho tentado ser uma pessoa melhor, preenchendo as lacunas de meu caráter”, assevera.
Auxílio aos amadores
Além de oferecer emprego, os bingos no Ceará têm sido um instrumento auxiliar do esporte amador. Essa é a argumentação de Idalina Neta, funcionária do bingo Savanah, na Praça do Ferreira, e que também se posiciona como defensora do jogo.
Idalina diz que o bingo Savanah emprega hoje cerca de 45 pessoas. A casa está vinculada à Federação Cearense de Judô, que mantém os vínculos com os prestadores de serviço.
Ela é na verdade a única pessoa no bingo Savanah que disponibiliza a publicação de seu nome. No entanto, não aceita fotos, bem como não permite que o interior do bingo seja fotografado.
“Nós trabalhamos apenas com o bingo. Não temos máquinas e estamos na expectativa da aprovação da lei que regulariza o funcionamento dessas casas”, diz. O escritório de Idalina fica dois pavimentos acima da área de jogos. Até chegar ao seu compartimento, passa-se por grades metálicas, que se movem eletronicamente.
Durante a entrevista, um homem interrompe a funcionária, repreendendo-a porque recebeu a imprensa, sem agendar uma entrevista. Enquanto isso, diz estar otimista pela possível aprovação da lei de regulamentação dos bingos e que o preconceito contra essa iniciativa é porque foi disseminado um conceito errado de que o jogo funciona para a lavagem de dinheiro.

Sem se identificar, ele diz que qualquer funcionário vai ser favorável a regularização do jogo. “Nossos empregos dependem disso”, afirma. Ele também defende os jogadores, mesmo aqueles que perdem dinheiro. “As pessoas não vêm aqui para ganhar dinheiro. Vêm pela diversão”, ressalta.

Diário do Nordeste (CE)