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Qual é o futuro do mercado de loterias no Brasil?

02/01/2019

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Alexandre A. da Silva*

No Brasil, o único jogo com aposta legalizado é a loteria. Essa exceção é justificada por sua finalidade social, materializada na destinação de parcela de suas vendas para alguma área governamental, tornando-a um serviço público. Tal destinação é uma forma de compensar a sociedade por eventual externalidade negativa.

Por construção legal, o montante de vendas de uma loteria é dividido em três partes: i) percentual “x” destinado ao governo; ii) percentual “y”, ao operador que gere a loteria; iii) percentual “z”, à premiação dos apostadores (payout), de forma que: x + y+ z = 100%. A Caixa, por exemplo, operacionaliza as loterias federais.

Dado que o governo fica com um percentual “x” das vendas, torna-se, naturalmente, “sócio” de qualquer loteria. Assim, interessa diretamente ao governo a performance dos produtos lotéricos. De fato, quanto maior o montante de vendas das loterias, maior é a quantidade destinada para financiar alguma área do governo.

A atual gestão do Ministério da Fazenda (MF) compreendeu o quão estratégico é esse “sócio”. Além disso, inferiu que as loterias operacionalizadas exclusivamente pela Caixa faturam, historicamente, 0,2% do PIB (R$ 13,8 bilhões em 2017), com uma distribuição de 0,08% do PIB (R$ 6 bilhões em 2017) para o governo, sem apresentar qualquer crescimento estrutural ao longo do tempo.

Por conseguinte, diagnosticou o porquê dessa paralisia nas vendas, a fim de tomar providências para melhorar o desempenho da arrecadação lotérica, contribuindo, inclusive, para o ajuste fiscal em curso. Foram três os problemas diagnosticados: i) setor calcado em um monopólio estatal; ii) marco legal confuso; iii) ausência de duas modalidades lotéricas, considerando as quatro existentes, de acordo com a World Lottery Association (WLA), principal associação mundial de regulação lotérica.

De fato, conforme a WLA, há quatro modalidades lotéricas: i) Prognósticos Numéricos — cujos produtos o apostador tenta prever quais números serão sorteados (ex: Mega-Sena, Dia de Sorte, Quina, Lotofácil, Lotomania, Dupla Sena, Timemania e Loteria Federal); ii) Instantânea — mostra, de imediato, por meio da raspagem de um cupom em meio virtual ou físico, se o apostador foi ou não agraciado com alguma premiação; iii) Apostas Esportivas (“pari-mutuel”); e iv) Apostas Esportivas (“fixed odds”).

As Apostas Esportivas são aquelas em que o apostador tenta prever o resultado de jogos esportivos, existindo nos formatos “pari-mutuel” (ex: Loteca e Lotogol) e “fixed odds” (quota fixa, conforme tradução no Brasil). Neste, ao se efetivar a aposta, o apostador já sabe a premiação a qual fará jus para cada real efetivamente apostado; naquele, o ganho do apostador é conhecido somente quando finalizados os eventos esportivos.

No Brasil, portanto, somente são operacionalizadas duas modalidades: Prognóstico Numérico e Aposta Esportiva no formato “pari-mutuel”.

Diante desse cenário, em virtude da importância em prospectar maiores receitas com loterias, tendo em vista a ampliação dos recursos para as áreas do governo, o Ministério da Fazenda prescreveu os seguintes remédios para combater os problemas diagnosticados: abertura à concorrência do mercado lotérico, estruturação de seu marco legal e implantação das duas modalidades lotéricas faltantes.

Inicialmente, optou-se pela concessão à iniciativa privada da Loteria Instantânea Exclusiva (Lotex), segunda modalidade mais importante de loteria no mundo — representa, em média, 25% do mercado mundial. Com isso, espera-se a concorrência entre a loteria instantânea e as demais modalidades lotéricas, proporcionando um cenário competitivo para o setor brasileiro de loterias, com mais inovação, emprego e renda.

Em relação ao marco legal confuso, o MF articulou com as áreas de governo interessadas (Segurança Pública, Esporte e Cultura) a edição da Medida Provisória 846, promulgada em 1o de agosto de 2018 e aprovada no Congresso Nacional no final do mês de novembro. Essa MP uniformiza em um só marco legal a distribuição de recursos, antes difusa e espraiada em quinze normativos legais.

Ao unificar a legislação, a MP 846 sanou uma deficiência do marco legal, que possuía uma totalização nominal que variava de 104,5% até 115% na distribuição da arrecadação das loterias. Era necessário fazer regra de três para se chegar aos 100% dos recursos efetivamente distribuídos.

Ademais, o espraiamento da legislação obscurecia a noção de trade-off para os parlamentares e a sociedade como um todo, pois era possível que se destinasse recursos para alguma área do governo sem perceber que estaria diminuindo a parcela destinada à outra. Além disso, a confusão da legislação levava a reduções do payout, com consequências negativas para a atratividade da loteria.

Essa MP também autorizou, em uma estrutura de mercado concorrencial, a implantação da modalidade Aposta Esportiva de Quota Fixa. O MF terá até quatro anos para regulamentá-la. Esta, em conjunto com as modalidades de loterias operacionalizadas pela Caixa e com a Lotex, irão completar o mercado brasileiro de loterias.

Com essas iniciativas, estima-se que, em um futuro próximo, no cenário básico, o setor salte de 0,2% do PIB para aproximadamente 0,5% do PIB e a parcela das loterias destinadas às áreas governamentais salte de 0,08% do PIB para 0,15% do PIB — em um ambiente concorrencial, com crescimento de receitas, modernização, inovação e geração de empregos.

Por fim, destaque-se que foram estruturadas as bases para o futuro do mercado nacional de loterias, mas somente se consolidarão, se houver fortalecimento da regulação. De fato, a estruturação de um mercado privado forte e competitivo somente se consubstancia com regulação igualmente forte e tecnicamente competente.
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(*) Alexandre Manoel Angelo da Silva é economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Secretário de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria do Ministério da Fazenda e veiculou o artigo acima no Valor Econômico do dia 28 de dezembro de 2018.